Por que a China tem ‘terra do meio’ no nome?

Certamente você já deve ter ouvido que a China é o maior parceiro comercial do Brasil. A afirmação sempre vem carregada de estatísticas superlativas, alguma pontuação sobre a importância das relações para o agronegócio e um alerta insistente: “É preciso entender o que os chineses pensam e o que querem”.

Não é uma tarefa fácil, claro. Em um país de 1,4 bilhão de pessoas, o consenso irrestrito é raríssimo. Se o desafio é estudar a cultura, a jornada será ainda mais complexa: falamos primeiro da Ópera de Pequim ou dos templos daoístas em Sichuan? E o idioma? É o mandarim padrão, o cantonês, o tibetano, o mongol ou algum outro entre as dezenas de dialetos? História? São 5.800 anos com reinos que surgem, dividem-se, guerreiam entre si, desaparecem para dar espaço à República e ao comunismo.

Há uma imensidão de assuntos para absorver, tantos que seria impossível discutir em um único post (ou blog). O melhor então não é exatamente “entender”, mas observar. Despir-se das lentes ocidentais e tentar enxergar a China em seus próprios termos. Não significa ser subserviente, mas analisar um povo, sua política e sua cultura a partir de sua ótica própria e, a partir daí, tirar conclusões –boas ou ruins.

‘Terra do Meio’ na centralidade do debate

Nomear este espaço como “China, Terra do Meio” carrega este propósito de colocar o país em evidência e centralidade. No mandarim padrão, o nome China é expresso em dois caracteres (中国, lidos Zhōngguó) que traduzidos ao pé da letra significam exatamente isso: império, terra, nação do meio. A escolha vem de uma tradição antiga –embora não exclusiva dos chineses– em considerar o país o centro do mundo.

Como explica Calebe Guerra, mestre em literatura clássica chinesa pela Universidade de Wuhan, a palavra original era usada para demarcar a capital de vários povos diferentes, mas unidos pela mesma língua. No idioma pictográfico, em que cada caractere tem sentido próprio e é inspirado em uma imagem, guó (国) demarca este legado.

“Os riscos do entorno deste caractere remontam às cidades fechadas por um muro e indicavam a representação de território. Já a primeira palavra, Zhōng (中), tem origem mais debatida e incorpora o significado de ‘meio’ ao nome do território que pertencia ao imperador, colocando seu governo e ele próprio como o centro não só geográfico e dentro dos muros, mas também temporal”, analisa Guerra.

O substantivo “China” propriamente dito, explica ele, só seria adotado muito mais tarde como adaptação do sânscrito e em referência à pronúncia do nome Qin (221 a.C – 206 a.C), dinastia cuja alcunha se tornou popular por ter sido a responsável pela unificação do território chinês.

Doutorando em relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da diplomacia cultural chinesa, Paulo Menechelli Filho conta que o nome carrega uma noção de preciosismo comum a outros países até então isolados.

“Não existe uma história única do mundo, e a história que consideramos real depende muito de onde a gente está. Para uma China que por milênios viveu isolada de outros povos, a cultura chinesa era a mais avançada e ocupava esse local de centralidade”, afirma.

Para o acadêmico, essa noção de excepcionalidade é substituída na China contemporânea por um discurso que, ao menos oficialmente, não prega a hegemonia. Assim, afirma Menechelli Filho, o governo tenta recuperar o posto de “uma potência mundial, e não a única”.

“Há um esforço em associar o nome original da China a outras narrativas paralelas à sua tradução literal. Ideias como a da sociedade de destino compartilhado e da harmonia global ressoam no linguajar das lideranças nacionais, e as narrativas em torno da origem do nome não estão mais centradas num conceito de exclusividade, de um império acima dos outros, mas de coletividade global”, completa.

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