Brasil se consolida como principal destino sul-americano de investimentos chineses, mostra estudo inédito
Mesmo com a retórica diplomática agressiva em Brasília, os investimentos chineses no Brasil cresceram 117% em 2019. Sob os efeitos da pandemia no ano passado, os números tiveram retração (US$ 7,3 bilhões no ano anterior para US$ 1,9 bilhão, queda de 74%), mas não o suficiente para ameaçar o posto de principal destino dos investimento na América do Sul (47% de todos os aportes), somando US$ 66,1 bilhões na série história 2007-2020. Os números foram revelados por uma pesquisa inédita do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), publicada nesta quinta (5).
O levantamento mostra que, desde 2007, empresas chinesas já efetivaram 176 empreendimentos no Brasil, 31% deles no setor de energia elétrica. State Grid e China Three Gorges, duas gigantes estatais na área de eletricidade, mantêm por aqui suas maiores fatias de investimento fora da China, com 48% e 60% respectivamente.
Autor do estudo, o pesquisador e diretor de conteúdo do CEBC, Túlio Cariello, diz que a atração de aportes expressivos no setor elétrico do Brasil é uma combinação de fatores: a tradição chinesa em investimentos na área de infraestrutura, a necessidade de crescimento dessas estatais para além da fronteiras nacionais e um ambiente de negócios mais estável, se comparado com outros países em desenvolvimento.
“A necessidade de internacionalização dessas empresas chinesas coincidiu com um momento em que o Brasil abria o seu setor de energia elétrica. Óbvio que o Brasil tem apresentado indicadores econômicos irregulares, mas, se comparado à América Latina ou a África de modo geral, aqui energia é uma área estável, com bons engenheiros e marco regulatório maduro. São fatores decisivos nessa atração”, diz.
O pesquisador explica que mesmo com a queda nos aportes do ano passado —tendência mundial causada pela Covid-19—, o setor elétrico brasileiro foi o destino de 97% dos investimentos chineses confirmados no país. São estatísticas tão superiores que, na opinião dele, “é um caso que precisa ser visto à parte dos demais empreendimentos”.
“A China não está sozinha. Há investimentos parecidos da Espanha, da Alemanha e da França, por exemplo. O que chama atenção aqui é que os chineses se apresentam como competitivos não só pelo capital, mas também pelo domínio de tecnologias que não são dominadas por muitos países como o UHV [ultra-alta tensão, capaz de otimizar a distribuição de energia elétrica a longas distâncias], o que é muito benéfico para modernizar nossa matriz energética”, detalha.
Logo atrás da energia, a indústria manufatureira (que abarca os setores químico, de fabricação de maquinário e celulose) se destaca com 28% dos projetos confirmados. Frequentemente citados como essenciais à segurança alimentar chinesa, a agricultura e pecuária ficam com 7%, com destaque para a entrada da gigante estatal Cofco que mantém atividades da origem até o transporte de soja e cana-de-açúcar no Brasil.
Ataques à China não diminuíram apetite chinês
Com o início da pandemia, 2019 foi um ano especialmente tenso em termos diplomáticos para as relações sino-brasileiras. O deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro, protagonizou brigas com o embaixador chinês, Yang Wanming, enquanto membros do gabinete ministerial e o próprio presidente Jair Bolsonaro acusaram a China de “guerra biológica”. Mesmo assim, os volumes aportados pelos chineses no Brasil têm se mantido em trajetória ascendente desde o início do atual governo. Para Cariello, os dados mostram que o pragmatismo e o pensamento de longo prazo da China deram provas de resiliência e devem resistir às rusgas no curto prazo.
“Muitos desses investimentos começaram há tempos, né? Eu realmente não consigo vê-los [os chineses] pisando no freio, não acho que empresa chinesa que esteja construindo uma linha de transmissão no Brasil agora pare a obra porque o Bolsonaro falou alguma coisa ruim sobre a China. O que vale no final das contas para o mercado, na China e no resto do mundo, é o lucro”, prevê Cariello, acrescentando que dados de 2021, embora não consolidados, mostram que empresas chinesas continuam levando leilões para administração de usinas e linhas de transmissão.
Mais maduro e confortável com a legislação brasileira, o investidor chinês já se propõe a empreender do zero, construindo fábricas e montando novas operações no país. De acordo com o CEBC, fusões e aquisições (chamadas de “brownfields”) ainda representam 70% de todos os aportes no Brasil desde 2007, mas há mudanças significativas quando se analisam os dados referentes aos projetos em andamento: 48% deles são “greenfield”, ou seja, totalmente novos. Só essa fatia responde pela geração de 34,5 mil empregos diretos, enquanto os 40% em “brownfields” mantiveram os postos de outros 140,1 mil. Os outros 12% correspondem a joint ventures.
Com a expansão da fronteira tecnológica na China, Cariello acredita que há agora uma nova oportunidade se formando para os chineses no Brasil: a tecnologia de ponta. Com isso, deve se tornar mais comum ver as marcas de lá em áreas como a telefonia, internet das coisas, veículos elétricos e autônomos e inteligência artificial.
“A Huawei, que é líder na tecnologia 5G no mundo, já está em território nacional há bastante tempo e deve ganhar mercado, mesmo com as dificuldades políticas envolvidas no leilão. Para várias outras áreas, o Brasil será um mercado interessante. Há um elemento cultural envolvido pelo fato do brasileiro gostar de redes sociais, de games, troca bastante de celular e o mercado de aplicativos aqui é grande. Então é o setor a se acompanhar daqui para frente.”
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