Queda de Cabul repercute na imprensa chinesa e representa xadrez geopolítico para Pequim
A tomada de Cabul pelo grupo fundamentalista Taleban repercutiu com força na imprensa e nas redes sociais chinesas. Encabeçado pelas imagens de um helicóptero deixando a embaixada dos Estados Unidos no Afeganistão e pela comparação com cena similar em Saigon –atual Ho Chi Minh, capital do Vietnã–, em 1975, o tópico sobre a crise afegã no Weibo, espécie de Twitter chinês, atraiu mais de 33 milhões de postagens.
“Este é, sem dúvidas, um momento extremamente embaraçoso para os EUA e um duro golpe para o poder americano”, escreveu o jornal oficial Diário do Povo, conhecido como a “voz do Partido Comunista”. “Antes da queda de Saigon, o presidente sul-vietnamita Nguyen Van Thieu denunciou os Estados Unidos por sua traição, [chamando-os] de desumanos, irresponsáveis e não confiáveis. A mesma cena está agora se repetindo no Afeganistão.”
O tom nacionalista dos textos produzidos pela mídia estatal se refletiu nos fóruns virtuais. Enquanto as cenas de desespero dos afegãos corriam o mundo, comentários destacavam a rápida incursão militar dos fundamentalistas como uma humilhação aos americanos.
“A ascensão e a queda do status de uma potência mundial não parecem depender da economia, mas do resultado da guerra”, escreveu Chen Ping, professor da Universidade de Fudan e celebridade virtual, com quase 4 milhões de seguidores. Outro internauta fez um paralelo entre a situação no Afeganistão e a forma como os americanos lidaram com a pandemia de coronavírus, “novamente se tornando uma piada mundial”, enquanto outra postagem usava as fotos da evacuação da embaixada como um símbolo da “derrocada do imperialismo e dos reacionários, ambos tigres de papel”.
A maneira como a imprensa chinesa reagiu aos acontecimentos recentes no país vizinho não é despropositada. Autor do livro “The China-Pakistan Axis: Asia’s New Geopolitics” (O eixo China-Paquistão: a nova geopolítica da Ásia, inédito no Brasil), Andrew Small afirma que Pequim provavelmente usará o caos em Cabul como um exemplo aos seus vizinhos de que os americanos não são parceiros confiáveis.
“Certamente as imagens do helicóptero deixando uma cidade arrasada e tomada pelo Taleban são um símbolo de uma guerra longa e infrutífera. É de certa forma esperado que, a despeito da instabilidade causada pela queda de Cabul, Pequim faça paralelos com o que aconteceu quando os americanos perderam a guerra no Vietnã. Muitos veículos reproduziram uma entrevista do [secretário de Estado] Antony Blinken negando a derrota, enquanto as pessoas tentavam desesperadamente deixar a cidade sitiada”, analisa o pesquisador sênior do German Marshall Fund.
As semelhanças com o Vietnã em 1975, porém, param por aí. Para Small, os chineses agora precisarão se preocupar com um delicado xadrez geopolítico que traz instabilidade às suas fronteiras e ameaça interesses econômicos.
A China se adiantou à queda do governo afegão apoiado por Washington e recebeu no mês passado em Tianjin, a 110 quilômetros da capital, uma delegação encabeçada por Abdul Ghani Baradar, cofundador do Taleban. Logo após a fuga do presidente Ashraf Ghani, diplomatas chineses declararam ter a intenção de manter “relações amistosas” com o novo governo. A embaixada em Cabul não foi fechada e cidadãos chineses tampouco foram retirados do país, embora a representação diplomática tenha divulgado uma nota pedindo “muita atenção à situação de segurança”.
Especulações de que o reconhecimento da legitimidade do Taleban foram motivadas por interesses financeiros chineses na região foram levantadas pela imprensa ocidental. Small, entretanto, afirma que a postura pragmática da China denota preocupações com a segurança doméstica, e não uma tentativa imediata de lucrar com a situação. Ele também diz não acreditar que a China vá ocupar o vácuo de poder deixado pelos EUA, a exemplo do que aconteceu na Síria.
“A Rússia já tinha presença militar na Síria e substituiu os EUA quando as tropas americanas deixaram a região. Não é o caso dos chineses no Afeganistão, e não creio que a China esteja interessada em expandir a sua Iniciativa de Cinturão e Rota para lá. A estratégia parece ser a de manter o Afeganistão como um Estado tampão, impedindo que mantenham laços com grupos extremistas na região de Xinjiang, por exemplo. Pequim me parece relutante e provavelmente não deve colocar dinheiro no país imediatamente”, diz.
Além das agitações fronteiriças, o Afeganistão também representa uma peça importante em um quadro mais amplo e delicado: as relações chinesas com o Paquistão e a Índia.
Após os ataques do 11 de Setembro, os paquistaneses foram acusados por Washington de financiar atividades terroristas do Taleban e da Al Qaeda. Islamabad é uma parceira de longa data de Pequim e inimiga histórica dos indianos, mas a presença de milícias fundamentalistas apoiadas pelo Paquistão no território disputado da Caxemira tende a criar uma “delicada situação de segurança estratégica local” que alarma os dois países mais populosos do mundo.
Para Small, a Índia provavelmente precisará analisar cuidadosamente os riscos do Taleban e, mesmo com as desavenças com os chineses, deve se aproximar de Pequim na cobrança por moderação.
“As relações entre Índia e China estão delicadas neste momento, com estranhamentos militares na fronteira. Mas os dois países compartilham preocupações semelhantes quanto à insurgência de terroristas no sul da Ásia, já que nove trabalhadores chineses foram mortos no mês passado em um ataque financiado por terroristas afegãos na cidade paquistanesa de Dasu. Assim, é provável que o Paquistão seja dragado outra vez para a crise e sofra pressões de ambos os lados.”
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