China, Terra do Meio https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br Reportagens, análises geopolíticas e notícias de um dos mais importantes países do mundo: a China Fri, 19 Nov 2021 15:36:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Com submarinos nucleares, Austrália ‘tomou um lado’ nas disputas entre China e EUA, diz especialista https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/09/27/com-submarinos-nucleares-australia-tomou-um-lado-nas-disputas-entre-china-e-eua-diz-especialista/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/09/27/com-submarinos-nucleares-australia-tomou-um-lado-nas-disputas-entre-china-e-eua-diz-especialista/#respond Mon, 27 Sep 2021 21:05:56 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/4c39bdfbd17b1559b3bd09eac8547935cf40c8ae100cf2854777446928e02558_614b9ca29e806-300x215.jpeg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=279 Professora na Universidade Monash e uma das maiores especialistas australianas em segurança marítima internacional, Maria Rublee passou as últimas semanas ocupada. Ela foi uma das primeiras acadêmicas do país a expressar críticas ao Aukus, o pacto militar firmado por Canberra com o Reino Unido e os Estados Unidos e que exasperou o governo comunista em Pequim.

Maior compromisso militar assinado entre os três países desde a Segunda Guerra, o Aukus vai permitir à Austrália montar sua primeira frota de submarinos a propulsão nuclear, além de prever a transferência de tecnologia quântica, inteligência artificial e técnicas de proteção cibernética.

O anúncio pegou diplomatas da região de surpresa. Além de sinalizar o que pode ser o início de uma grande marinha com propulsão nuclear global, as intenções dos países signatários são claras: conter a China. Os submarinos ampliarão o alcance australiano nas águas regionais, oferecendo um fator de dissuasão aos chineses, que ampliam a presença de sua Marinha com a construção de bases em ilhas artificiais.

À rede de TV americana CBS o premiê australiano, Scott Morrison, assumiu que o mar do sul da China, região reivindicada por Pequim e disputada por outros países parceiros dos Estados Unidos na região, será o foco das embarcações. “Estamos falando sobre as águas internacionais, de um Indo-Pacífico livre e aberto. O direito marítimo internacional importa para nós e para todos os países da região, assim como a capacidade de operar onde todos os países deveriam ser capazes de operar”, afirmou.

Para Rublee, a Austrália conseguiu sustentar por muitos anos o equilíbrio entre as parcerias comerciais com os chineses e a proximidade política e cultural com americanos e britânicos. O Aukus pode sinalizar o fim dessa postura. Na entrevista, a especialista detalha qual é o potencial perigo do pacto, não apenas para os chineses, mas também para os esforços na contenção de armamento nuclear mundial.

Folha: As reações mais firmes em relação a este acordo vieram de Pequim e de Paris, este último por motivos que discutiremos a seguir. Porém, muitos vizinhos no sudeste asiático, países que o Ocidente tenta seduzir para conter a China, também não gostaram do anúncio. Como o Aukus pode prejudicar a relação australiana com os vizinhos?

Maria Rublee: Existem diferentes tipos de vizinhos. Tem a Nova Zelândia, o vizinho mais próximo, tanto geograficamente, quanto culturalmente e diplomático. Eles já disseram que submarinos movidos a energia nuclear não serão permitidos em águas neozelandesas. Isso é um problema e significa que teremos problemas com questões como interoperabilidade. A Nova Zelândia não tem uma frota de submarinos, mas ainda assim, a cooperação naval entre os dois países será prejudicada.

Então você tem os países do sudeste asiático e eles não estão entusiasmados com isso por alguns motivos. Primeiro, eles argumentam que, muitas vezes, conflitos locais se tornam mais perigosos quando você envolve grandes potências, e é quase como se toda a região se tornasse um playground para esses países poderosos. Não há armas nucleares nesses submarinos, é uma usina nuclear dentro deles. Mesmo assim, houve comentários oficiais de preocupação de pessoas dentro do governo da Indonésia e do governo da Malásia.

Temos uma zona livre de armas nucleares nesta área, mas ela não proíbe os países com armas nucleares de transportá-las através desta zona. E, de fato, provavelmente veremos uma base de submarinos na costa oeste da Austrália que hospedará submarinos americanos e britânicos com armas nucleares.

F: Este acordo representa risco imediato para a China?

MR: Para a China, é a Austrália subitamente recebendo oito novos submarinos nucleares. Isso não dará aos australianos poder de negação marítima [termo militar que descreve tentativas de negar a capacidade do inimigo de usar o mar, sem necessariamente tentar controlar o mar para seu próprio uso], já que seriam necessários ao menos 12 submarinos para isso. Certamente, para a China não representará um problema maior do que os submarinos regulares que temos, mas é terá grande magnitude porque indica que a Austrália tomou uma decisão. Por muito tempo, a Austrália viveu um dilema do tipo “a gente vai se juntar à China, nosso parceiro econômico? Ou estaremos com os EUA, parceiro cultural e diplomático?”. Estamos claramente nos movendo em direção ao lado ocidental.

Para os chineses é uma grande preocupação, porque eles se veem como uma grande potência em crescimento e não querem um convite dourado para os Estados Unidos virem para o que eles veem como seu quintal. Além disso, estaremos recebendo também os britânicos e um parlamentar britânico do Comitê de Relações Exteriores já tuitou que “isso [o Aukus] nos dá uma doca permanente para nossos barcos na área”. No contexto do mar do Sul da China, isso significa dizer a Pequim que vamos nos envolver mais com o Ocidente, não menos.

F: A senhora mencionou o fato da Austrália estar em uma zona não nuclear, com a China acusando Canberra de violar compromissos assumidos em tratados de não proliferação. As três partes do Aukus já esclareceram que os submarinos apenas movidos por fissão nuclear, mas não carregarão mísseis balísticos. Essa garantia será o suficiente para acalmar os nervos em Pequim? Pode haver uma corrida armamentista nuclear na região?

MR: A Austrália certamente não infringirá o tratado de não proliferação, não com um submarino de propulsão nuclear sobre o qual temos direito previsto no texto. Dito isso, temos perguntas sobre as intenções da Austrália no futuro. A grande questão aqui é quem fornecerá o urânio altamente enriquecido que alimenta esses submarinos nucleares. Dentro deles você tem uma mini usina de energia nuclear que não precisa ser reabastecida durante a vida útil da embarcação.

Mas se a Austrália disser “queremos fornecer o urânio altamente enriquecido que vai para esses submarinos nucleares”, então não apenas a China estará em alerta, mas países em todo o mundo porque se você tem a capacidade de enriquecer urânio e o poder de fabricar armas nucleares. É o mesmo equipamento, você apenas o executa por mais tempo. Realmente, seria uma coisa terrível fazer isso, não queremos ver a disseminação de instalações de enriquecimento ao redor do mundo que tornariam mais difícil a redução de armas nucleares.

F: Os franceses ficaram irritados com a decisão, já que tinham assinado um acordo para construir 12 submarinos encomendados por Canberra. É possível que a Austrália esteja se afastando dos parceiros da União Europeia nessa disputa geopolítica com a China, passando a depender mais de seus parceiros militares tradicionais como os Estados Unidos e o Reino Unido?

MR: Bem, essa é certamente a direção que o atual poderoso primeiro-ministro traçou. Absolutamente. Contudo, do ponto de vista doméstico, não creio que haja vontade de abandonar a Europa para se alinhar inteiramente com os Estados Unidos. Há um compromisso muito grande com os americanos, mas ele também existe para a Europa. É muito lamentável a maneira como isso foi tratado com os franceses e ficou claro que eles foram avisados de última hora. No entanto, o contrato francês nunca foi um bom negócio porque eles estavam pegando um submarino com propulsão nuclear e o redesenhando, o que custaria muito dinheiro.

F: No curto prazo, como a senhora vê a resposta chinesa ao Aukus? Pequim reclamará apenas pelos canais diplomáticos ou embarcações chinesas podem vir a realizar exercícios militares em águas internacionais próximas à Austrália como retaliação?

MR: É muito difícil saber o que os chineses farão. A China se tornou muito mais agressiva ultimamente nos últimos dois anos, mas duvido que eles façam algo. No que tange a exercícios militares, tudo o que vai conseguirão se seguirem esse caminho é influenciar a opinião pública. Se os chineses quiserem que o Aukus prospere, basta provocar a Austrália próximo de suas águas porque isso basicamente fará a população doméstica dizer “ok, a China está sendo superagressiva, agora realmente precisamos do Aukus”. Meu palpite é que eles sabem disso e haverá muita conversa, mas não acho que irão muito além disso.

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‘Governo Biden não tem estratégia para conter a China’, diz famoso ex-embaixador de Singapura https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/07/29/governo-biden-nao-tem-estrategia-para-conter-a-china-diz-famoso-ex-embaixador-de-singapura/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/07/29/governo-biden-nao-tem-estrategia-para-conter-a-china-diz-famoso-ex-embaixador-de-singapura/#respond Thu, 29 Jul 2021 13:30:54 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/KishoreMahbubani_Arquivo-pessoal-300x215.jpg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=224 De perfil sereno e voz comedida próprios de quem construiu a vida na diplomacia, Kishore Mahbubani é o tipo de intelectual que costuma ser consenso mesmo em lados antagônicos. Ex-embaixador de Singapura, com mais de 30 anos na chancelaria do país (incluindo uma década na ONU) e outros 15 na academia, construiu fama por ser um dos mais notáveis analistas da conjuntura geopolítica asiática.

É valendo-se da longa experiência a serviço das relações internacionais que o singapurense se aventura a tentar destrinchar um dos temas mais espinhosos na diplomacia atual: o futuro da relação sino-americana e como ela deve impactar o mundo nas próximas décadas. Em “A China Venceu?” (Intrínseca, 368 páginas), lançado no Brasil nesta semana, Mahbubani destrincha, ponto a ponto, os principais entraves à cooperação entre chineses e americanos.

Como quem escreve um telegrama a um Ministério das Relações Exteriores e com as credenciais de quem acompanha o desenrolar dos eventos sem ser, necessariamente, integrante de nenhum dos lados, o professor escreveu o que ele próprio define como “um presente para os Estados Unidos” e um lembrete a Washington de que “o mundo mudou”.

Em entrevista à Folha, Mahbubani expande os temas do livro, faz previsões sobre como devem se desenrolar os principais problemas entre a China e o Ocidente e um alerta ao Brasil: na briga entre as duas potências, ele diz que Brasília deveria anunciar neutralidade de antemão e se eximir de tomar lado se quiser preservar seus próprios interesses nacionais.

Folha: Um documento produzido pelo Atlantic Council [tradicional think tank americano] inspirado na estratégia americana para a Guerra Fria sugere que, se os EUA quiserem conter a China, devem tentar atrair a Rússia para o lado americano, o que seria muito difícil em termos de opinião pública. Como os EUA devem equacionar essas divergências internas com seus objetivos geopolíticos em relação a Pequim?

Kishore Mahbubani: Os americanos não conseguem entender que o mundo mudou fundamentalmente. Não é só sobre a China, é o fim da era de dominação ocidental da história mundial. E quando [Joe] Biden quer enfrentar a China, o que faz? Ele ressuscita o G7, um clube do passado que dificilmente vai saber lidar com um desafio futuro. Os EUA não conseguem nem mesmo conceber a possibilidade de que qualquer potência possa se tornar mais forte do que eles. Foram o número 1 por 130 anos e provavelmente a sociedade mais bem-sucedida que já vimos na história da humanidade, mas a história também nos ensina que você não pode ser o número 1 para sempre, certo? Os EUA têm um quarto da população da China e apenas 250 anos, enquanto a China tem 5.000. Certamente é possível que a China se torne maior que os EUA.

F: O senhor mencionou em seu livro que, como a dominação dos EUA na Europa, é uma anomalia na história.

KM: É uma anomalia, mas, novamente, os americanos não podem aceitar isso. E para eles, o importante não é só se aliar à Rússia, é a necessidade de mudança total de mentalidade. O maior medo da Rússia não vai ser a Europa. Quer dizer, os europeus são tão pacíficos que não vejo a Europa caminhando para uma guerra, mas a China é um desafio real para eles. Eles têm a maior fronteira com a China. Os EUA poderiam tentar serem habilidosos e possivelmente tentar atrair a Rússia, mas, infelizmente, os americanos passaram pelo menos 30 anos humilhando a Rússia. Então a razão pela qual os EUA estão tendo tantos problemas para lidar com este novo desafio na China é porque não entenderam que cometeram erros fundamentais. E na verdade, nesse sentido, meu livro é um presente para os EUA, ao tentar dizer a eles “ei, o mundo mudou e você deve mudar também”.

F: Pelo jeito que o senhor fala, parece que essa oportunidade com a Rússia já se perdeu. Mesmo que os EUA queiram se envolver com a Rússia, não será fácil para Vladimir Putin virar a opinião pública e tentar cooperar com os EUA contra a China….

KM: Acho que pode ser difícil para Vladimir Putin, porque o Ocidente o demonizou muito. Sabe, depois de demonizar tanto alguém, é muito difícil se comprometer. A razão pela qual eu coloquei a Crimeia para ilustrar os erros estratégicos dos EUA no livro é porque os americanos ameaçaram expandir a Otan para a Ucrânia. A Ucrânia é tão importante em termos de consciência russa, de compreensão russa, que quando os EUA tentaram humilhar a Rússia na Ucrânia, eu não entendi nada. E de muitas maneiras a Ucrânia poderia ter sido salva se funcionasse como uma espécie de Estado-tampão, ao invés de membro da Otan, como tentaram fazer.

F: Falando em G7, uma das principais viagens que Biden fez nos primeiros meses na Presidência foi participar da cúpula do grupo, quando anunciaram a intenção em criar um fundo de crédito para infraestrutura nos países em desenvolvimento, e assim contrapor a Iniciativa de Cinturão e Rota [informalmente conhecida como “nova rota da seda chinesa”]. Até que ponto isso será eficaz para lidar com os países africanos e asiáticos?

KM: Bem, acho que se o presidente Biden deseja fornecer uma fonte alternativa de financiamento para o desenvolvimento de infraestrutura no Terceiro Mundo, é uma ideia muito boa. Se eu sou um pequeno país na África e a China diz “eu posso construir uma ponte para você” e os EUA também se oferecem, então poderei escolher o que for melhor. Mas a China já gastou US$ 1 trilhão na iniciativa de Cinturão e Rota, enquanto os EUA estão tendo todas as dificuldades orçamentárias para construir sua própria infraestrutura.

F: Sim, o pacote de infraestrutura de Joe Biden está há algum tempo parado no Senado…

KM: Exatamente. Sabe, quando fui pela primeira vez aos EUA em 1974, aquele era o Primeiro Mundo. Pequim era o Terceiro Mundo. Hoje, se você vai para Pequim, o aeroporto de Pequim e o aeroporto de Xangai são de Primeiro Mundo, enquanto o aeroporto John F. Kennedy [Nova Iorque] e o Washington Dulles [na capital americana] são de Terceiro Mundo. Se você quiser pegar um trem do Terceiro Mundo, pegue o trem de Boston para Nova Iorque, bem diferente do trem de Pequim para Xangai. Se os EUA estão falando sério sobre querer ajudar a melhorar a infraestrutura de outros países, eles deveriam primeiro melhorar sua própria infraestrutura. Uma das estatísticas mais surpreendentes que alguém me deu foi que, na China, você pode consertar uma ponte em 43 horas, e nos EUA, leva cinco anos. Acho que há um certo grau de irrealidade no que os EUA estão fazendo. É claro que podem contrapor o que os chineses vêm fazendo na África, mas precisam estar à altura.

F: Os chineses são bem conhecidos por ignorar disputas internas, usualmente não mexem com você se você não mexer com eles. Já os EUA geralmente vinculam esse tipo de acordo econômico a uma série de compromissos. Quão eficaz será seduzir esses países, muitos deles em desacordo com o modelo americano de democracia e padrões de direitos humanos, se o dinheiro vier acompanhado de vigilância?

KM: Para ser justo com os EUA, embora digam que a disputa com a China é uma competição de democracias contra autocracias, eles não hesitam em fazer parcerias com autocracias. Estive na mesma sala com o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, há apenas duas horas e ele estava dizendo que os EUA não hesitarão em apoiar o Vietnã contra a China. O Vietnã é uma autocracia. Todos os países colocarão seus interesses nacionais em primeiro lugar, e não os interesses de outros países.

F: Sobre a América Latina, há algo que certamente preocupa os governantes da região. Se chegarmos a uma situação de ter de decidir entre a China e os EUA, o Brasil estará em um posição muito difícil, porque geográfica e culturalmente, estamos mais próximos dos EUA, mas, economicamente, estamos nos tornando cada vez mais dependentes da China. O que vai acontecer com esses tipos de Estados que orbitam em torno de ambos os países?

KM: Essa não é uma pergunta sendo feita apenas pelo Brasil, mas por 193 países no mundo. Para eles, aconselho a lerem um artigo do premiê de Singapura [Lee Hsien Loong] para a [revista] Foreign Affairs quando ele diz, muito claramente, que Singapura é amiga dos Estados Unidos e da China. Não queremos escolher e isso é bom. Novamente, quando ouvi o secretário de Defesa, Lloyd Austin, ele mencionou que entende perfeitamente essa posição.

Nós queremos ser amigos de ambos. Acho que essa sua pergunta é importante, porque é muito importante para países como o Brasil não esperar até que você seja obrigado a escolher. Vocês deveriam proclamar com antecedência que esperam manter laços de amizade com os dois países. Seria injusto os EUA pedirem ao Brasil uma escolha. Mas o Brasil junto com outros países da América Latina, África e Ásia, deveriam se reunir e deixar bem claro que se quiserem brigar, que vão em frente, mas não nos peçam para nos juntarmos a vocês.

F: Você diz no seu livro que não havia clareza entre os funcionários do governo [Donald] Trump quanto à estratégia por trás das tarifas na guerra comercial —se era uma tentativa de desconectar as economias chinesa e americana ou uma forma de obrigar Pequim a recuar em práticas que consideravam injustas. Biden foi eleito, mas ainda não aboliu essas tarifas. Se Trump não tinha um objetivo claro, Biden tem?

KM: Durante toda a campanha, Biden costumava dizer consistentemente que a guerra comercial de Trump contra a China não prejudicou a China. Isso é verdade. Mas nos EUA, há uma histeria anti-China muito forte que se apoderou dos país. E assim, embora os EUA sejam um filho da civilização ocidental, um filho do Iluminismo ocidental e, portanto, deveriam tomar decisões com base na razão, na lógica e na ciência. Mesmo assim, não conseguem fazer a coisa razoável e lógica que é retirar essas tarifas. De certa forma, prova o ponto-chave em meu livro, que os EUA estão agora tão comprometidos com essa luta geopolítica contra a China que, na verdade, estão prejudicando seus próprios interesses. E nesse sentido eu diria que, assim como Trump não tinha nenhuma estratégia de longo prazo, até o momento, o governo Biden também não tem.

F: A China acaba de encerrar as comemorações dos 100 anos do PC Chinês e a festa foi uma oportunidade para Xi Jinping alardear as conquistas da sigla ao longo da história. Mas também foi um lembrete ao Ocidente dos principais pontos de tensão nas relações: a situação de Hong Kong em 2019, a militarização do mar do Sul da China, Taiwan e a questão dos uigures em Xinjiang… Esses elementos se tornaram inevitáveis e continuarão a impedir o diálogo entre o Ocidente e a China nos próximos anos?

KM: Nenhuma dessas questões impedirá o crescimento da China. E Hong Kong, como você sabe, faz parte da China. No caso do mar do Sul da China, você ouvirá muito barulho, mas não haverá batalhas militares. Acredito que os principais envolvidos conseguirão alcançar um compromisso pacífico a menos, é claro, que haja uma escaramuça entre uma embarcação naval americana e uma embarcação naval chinesa. Mas para os principais afetados, como a Malásia, Brunei, Filipinas, Vietnã, eles têm reivindicações conflitantes com a China, mas devem chegar a um acordo.

F: Taiwan, porém, continua sendo um problema.

KM: É claro, mas Taiwan pode permanecer pacífica se os EUA estabelecerem um entendimento com a China em cumprir o que prometeu nos anos 1970: manter relações oficiais com Pequim e relações não oficiais com Taiwan. Portanto, se esse for o entendimento, não haverá mudança.

F: Mas Xi Jinping tem repetido sucessivas vezes que não quer empurrar esta questão para a próxima geração. Isso não pode ser considerado um sinal de alerta da liderança chinesa?

KM: Enquanto nenhum esforço for feito para mudar o status quo, a paz pode permanecer no estreito de Taiwan. Se alguém tentar tornar Taiwan independente, aí sim a China declarará guerra e é por isso que hoje, quando ouvi o secretário de Defesa, fiquei feliz que ele tenha repetido duas ou três vezes que os EUA estavam comprometidos com a política da China única.

F: O termo “política de China única” é bastante ambíguo porque você não está pressupondo qual China é a única China.

KM: Uma vez que os EUA estabeleceram relações com Pequim, eles reconhecem o governo de Pequim como o governo legítimo da China. Mesmo os funcionários do Departamento de Estado precisam renunciar antes de serem destacados para Taiwan. Então, eu acho que, contanto que eles não mudem a fórmula atual, estaremos bem. Portanto, devemos encorajar os EUA e a China apenas a manter o status quo em Taiwan e não pressionar pela independência, porque se isso acontecer, certamente haverá problemas para os taiwaneses.

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