China, Terra do Meio https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br Reportagens, análises geopolíticas e notícias de um dos mais importantes países do mundo: a China Fri, 19 Nov 2021 15:36:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Epopeia de exames e protocolos rígidos mostram política de Covid zero na China https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/epopeia-de-exames-e-protocolos-rigidos-revela-politica-de-covid-zero-na-china/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/epopeia-de-exames-e-protocolos-rigidos-revela-politica-de-covid-zero-na-china/#respond Fri, 19 Nov 2021 15:05:31 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/20211108_183730-300x215.jpg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=315 Desembarcar na China durante a pandemia de coronavírus parece uma distopia. Enquanto o resto do mundo começa a reabrir suas fronteiras para viagens não essenciais, os aeroportos chineses dão uma pista do quão preocupado o governo continua com a Covid-19: funcionários com trajes de proteção, fluxo de passageiros internacionais controlado por cordas e um procedimento cuidadoso que registra o celular de cada viajante. Foi assim que descobri um caso da doença no meu voo.

Saí de Guarulhos no último dia 6 de novembro rumo a Shanghai, mas a viagem para a China começa muito antes de entrar no avião. Virtualmente fechado desde o início de 2020, o país desenvolveu um complexo sistema de monitoramento pandêmico, essencial para a contenção da doença na bolha sanitária criada por Pequim.

Antes de sair do Brasil, é necessário enviar em uma plataforma do governo os resultados não só de um teste PCR, como já é praxe para diversas viagens internacionais, mas também de um exame de anticorpos IgM. A imunoglobulina é a primeira resposta do sistema imunológico após a exposição ao coronavírus e pode levar meses para desaparecer do organismo. Na prática, a exigência fez com que eu me isolasse semanas antes da viagem de fato, já que uma infecção, mesmo curada, impediria-me de embarcar.

Apenas voos diretos ou com uma escala são permitidos. E, na parada, mais uma exigência: os exames PCR e IgM têm de ser refeitos, e uma nova autorização para seguir viagem, solicitada. Poucos aeroportos no mundo têm centros de testagens conveniados com o consulado chinês local, e o preço dos testes supera facilmente a ordem de milhares de reais (parando em Zurique, como foi o meu caso, os exames custaram 340 francos, pouco mais de R$2300 com o IOF). Dadas as exigências, são poucos os assentos disponíveis, e as companhias aéreas que dispõem de voos com destino ao país vendem passagens a peso de ouro (para mim, algo na casa dos US$ 8 mil, cerca de R$ 44 mil).

Autorizado o embarque, cada passageiro recebe dois QR codes: o de alfândega e o de saúde. Os quadradinhos são escaneados dezenas de vezes, e o sistema de imigração do governo registra quem era e onde estava sentado cada viajante. Ao sair do avião, todos são encaminhados para uma nova rodada de testes PCR (coletado com material do nariz e da garganta). Concluído o procedimento, os passageiros são encaminhados a ônibus em grupos de 25 pessoas e enviados aleatoriamente a hotéis de quarentena, pagos com recursos próprios e de onde não poderão sair por ao menos 14 dias.

Dois dias depois de chegar à China, eu ainda sofria com o jet lag e cochilava quando um funcionário do hotel para onde fui enviado ligou para o meu quarto. “Senhor, encontraram casos de Covid no seu voo para Shanghai. Verifique o seu código de saúde e se prepare para o PCR amanhã pela manhã.” O sistema de registro de viajantes confirmava: alguém sentado até três fileiras da minha poltrona recebeu o diagnóstico de Covid logo no primeiro dia de quarentena e, por isso, todos estariam submetidos a uma vigilância mais rigorosa.

“O que acontece agora?”, perguntei ao funcionário. Ele me respondeu dizendo que era preciso “esperar para ver”. Colegas que passaram pela mesma situação contaram que todos seriam testados e, se houvesse a confirmação de algum caso, o infectado seria levado para isolamento em um hospital e por lá ficaria por ao menos 21 dias. Todos os outros passageiros seriam monitorados, e a contagem da quarentena começaria do zero se alguém sentado do seu lado ou imediatamente à sua frente tanto no avião quanto no ônibus rumo ao hotel também recebesse um resultado positivo.

Aplicativo do Conselho de Estado muda de cor quando um caso é confirmado no voo Reprodução/Arquivo pessoal

Na manhã seguinte, dois médicos cobertos dos pés à cabeça com trajes de proteção bateram na minha porta. Além de fazer o teste, fui orientado a assinar um termo em chinês que atestava ter sido informado do caso de Covid próximo a mim e no qual eu concordava com a minha nova rotina: checagens de temperatura todos os dias depois do café da manhã e do almoço e uma ligação no fim do dia para saber como estava a minha saúde.

Eu ainda seria submetido a novos testes no décimo e no 13º dia da quarentena, e só então seria liberado para fazer uma terceira semana de quarentena menos restritiva em outro hotel. Para esse período é necessário um novo código de saúde, desta vez emitido pela prefeitura da cidade e vinculado a um número de telefone local. O aplicativo rastreia a localização de todos os usuários 24 horas por dia e pode ficar amarelo ou vermelho caso haja contato próximo com outro caso de Covid nesse meio tempo.

Meu exame teve resultado negativo. Quando comentei com a médica que checava minha temperatura diariamente sobre a precisão do sistema, ela respondeu: “Não podemos deixar passar nenhum caso.”

Covid Zero

O rigoroso rastreio de contatos e a enorme burocracia para os poucos estrangeiros autorizados a entrar no país colocam os chineses em uma categoria à parte no combate à Covid. Embora tenha protestado quando o então presidente dos EUA Donald Trump decidiu banir voos da China logo nos primeiros meses desde o surto em Wuhan, Pequim seguiu a tendência mundial na sequência e fechou as fronteiras por tempo indeterminado. Quase dois anos depois, nada indica disposição para reverter a decisão em um futuro próximo.

Em setembro, a metrópole Guangzhou, no sul do país, inaugurou um enorme centro de quarentena para viajantes internacionais. Ao custo de R$ 1,4 bilhão, a estrutura ocupa uma área de 250 mil metros quadrados, tem capacidade para receber até 5.074 viajantes e conta com um avançado sistema de inteligência artificial capaz de medir constantemente a temperatura dos quarentenados, além de robôs para a entrega de comida e de monitores para telemedicina. Um investimento que só se justifica se planejado para ser duradouro.

A preocupação é mais que sanitária. Quando conseguiu controlar o surto da doença em Wuhan, a China logo viu disparar os casos de Covid mundo afora. Fechada, usou o sucesso no combate à pandemia para fortalecer a credibilidade do governo enquanto a mídia estatal descrevia cenas apocalípticas nos hospitais de Brasil, Índia e EUA. O resultado na moral coletiva foi imediato, e a população se recusa a conviver com o vírus.

Reverter os efeitos da propaganda oficial não é tarefa simples, e o governo não tem pressa. No radar, as preocupações mais imediatas estão em garantir a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno em fevereiro e assegurar que Xi Jinping assuma um terceiro mandato de cinco anos em novembro de 2022 sem crises domésticas para lidar ao mesmo tempo.

Isso não significa que o Partido Comunista não esteja atento à necessidade de reabrir o país. Em agosto, o epidemiologista Zhong Nanshan, um dos principais conselheiros do governo na resposta à Covid e famoso por ter ajudado a combater a crise da Sars em 2003, destacou as condições necessárias para que Pequim considere flexibilizar a entrada de estrangeiros. Em uma rara declaração pública, disse que o governo só vai considerar a reabertura quando o país atingir 85% da população totalmente vacinada, “a imunização avançar internacionalmente e a transmissão no exterior atingir níveis relativamente baixos”.

Saudade de casa

Enquanto a flexibilização não ocorre, brasileiros que vivem na China convivem com ansiedade, preocupação e saudade da família. É o caso da guia turística Dani Tassy. Na China desde 2014, ela estava viajando com um grupo de brasileiros quando o surto de Sars-Cov-2 estourou em Wuhan. Tassy tinha esperanças de que a situação se normalizasse em poucos meses e, ao contrário de outros amigos estrangeiros, resolveu não sair.

O impacto da decisão foi emocional e financeiro, já que o número de clientes desabou após o início das restrições. Ela afirma esperar uma melhora nas condições sanitárias para que as fronteiras reabram o quanto antes, mas já pensa em uma data limite.

“Sair da China para quem tem uma vida aqui é arriscado porque não sabemos quando ou se poderemos voltar. Passei por momentos de grande ansiedade, de me questionar se valeu a pena ter ficado. Meu irmão se casou nesse meio tempo, e eu perdi uma prima para a Covid no Brasil. Penso que, se daqui a um ano as coisas não mudarem, vou me arriscar e voltar”, diz ela, que desde janeiro de 2019 não vê a mãe, que vive no interior de São Paulo.

Dani Tassy trabalha como guia na China e faz planos de voltar ao Brasil em 2022 caso as fronteiras não reabram Dani Tassy/Arquivo pessoal

Se para quem já está no país a decisão de permanecer fica cada vez mais custosa, quem precisa entrar também pondera prós e contras. O analista ambiental Pedro Campany, que chegou à China com a mulher e o filho de 11 anos em março para trabalhar, afirma que teve de pensar bastante antes de aceitar a vaga.

“Foi um projeto de família, e no final escolhemos o que seria melhor não só para nós, mas para o nosso filho. Mas a distância complica. Minha mãe sempre me pergunta se vou ficar aqui de vez e quando vou visitar o Brasil. Na semana passada a família se reuniu para um casamento, fizeram uma chamada de vídeo e foi difícil. Não é a mesma coisa.”

E de volta ao meu quarto de quarentena

Teste negativo, posso respirar aliviado por hora. A primeira fase da minha quarentena termina na próxima segunda-feira (22), mas o processo ainda está longe de acabar. Daqui, sigo para um novo hotel, onde ficarei de “observação” por mais sete dias. Embora possa circular em Shanghai, a recomendação é fazer o estritamente essencial nesse período.

Depois de mais outros dois testes de Covid, poderei então embarcar para Pequim, onde mais uma semana de observação me espera. O cuidado extremo, talvez até exagerado, prova: quando se trata da pandemia, a China não está disposta a pagar para ver.

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Brasil se consolida como principal destino sul-americano de investimentos chineses, mostra estudo inédito https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/08/05/brasil-se-consolida-como-principal-destino-sul-americano-de-investimentos-chineses-mostra-estudo-inedito/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/08/05/brasil-se-consolida-como-principal-destino-sul-americano-de-investimentos-chineses-mostra-estudo-inedito/#respond Thu, 05 Aug 2021 12:49:33 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/49059993546_192401c9bf_o-300x215.jpg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=240 Mesmo com a retórica diplomática agressiva em Brasília, os investimentos chineses no Brasil cresceram 117% em 2019. Sob os efeitos da pandemia no ano passado, os números tiveram retração (US$ 7,3 bilhões no ano anterior para US$ 1,9 bilhão, queda de 74%), mas não o suficiente para ameaçar o posto de principal destino dos investimento na América do Sul (47% de todos os aportes), somando US$ 66,1 bilhões na série história 2007-2020. Os números foram revelados por uma pesquisa inédita do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), publicada nesta quinta (5).

O levantamento mostra que, desde 2007, empresas chinesas já efetivaram 176 empreendimentos no Brasil, 31% deles no setor de energia elétrica. State Grid e China Three Gorges, duas gigantes estatais na área de eletricidade, mantêm por aqui suas maiores fatias de investimento fora da China, com 48% e 60% respectivamente.  

Autor do estudo, o pesquisador e diretor de conteúdo do CEBC, Túlio Cariello, diz que a atração de aportes expressivos no setor elétrico do Brasil é uma combinação de fatores: a tradição chinesa em investimentos na área de infraestrutura, a necessidade de crescimento dessas estatais para além da fronteiras nacionais e um ambiente de negócios mais estável, se comparado com outros países em desenvolvimento.

“A necessidade de internacionalização dessas empresas chinesas coincidiu com um momento em que o Brasil abria o seu setor de energia elétrica. Óbvio que o Brasil tem apresentado indicadores econômicos irregulares, mas, se comparado à América Latina ou a África de modo geral, aqui energia é uma área estável, com bons engenheiros e marco regulatório maduro. São fatores decisivos nessa atração”, diz.

O pesquisador explica que mesmo com a queda nos aportes do ano passado —tendência mundial causada pela Covid-19, o setor elétrico brasileiro foi o destino de 97% dos investimentos chineses confirmados no país. São estatísticas tão superiores que, na opinião dele, “é um caso que precisa ser visto à parte dos demais empreendimentos”.

“A China não está sozinha. Há investimentos parecidos da Espanha, da Alemanha e da França, por exemplo. O que chama atenção aqui é que os chineses se apresentam como competitivos não só pelo capital, mas também pelo domínio de tecnologias que não são dominadas por muitos países como o UHV [ultra-alta tensão, capaz de otimizar a distribuição de energia elétrica a longas distâncias], o que é muito benéfico para modernizar nossa matriz energética”, detalha.

Logo atrás da energia, a indústria manufatureira (que abarca os setores químico, de fabricação de maquinário e celulose) se destaca com 28% dos projetos confirmados. Frequentemente citados como essenciais à segurança alimentar chinesa, a agricultura e pecuária ficam com 7%, com destaque para a entrada da gigante estatal Cofco que mantém atividades da origem até o transporte de soja e cana-de-açúcar no Brasil.

Ataques à China não diminuíram apetite chinês

Com o início da pandemia, 2019 foi um ano especialmente tenso em termos diplomáticos para as relações sino-brasileiras. O deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro, protagonizou brigas com o embaixador chinês, Yang Wanming, enquanto membros do gabinete ministerial e o próprio presidente Jair Bolsonaro acusaram a China de “guerra biológica”. Mesmo assim, os volumes aportados pelos chineses no Brasil têm se mantido em trajetória ascendente desde o início do atual governo. Para Cariello, os dados mostram que o pragmatismo e o pensamento de longo prazo da China deram provas de resiliência e devem resistir às rusgas no curto prazo.

“Muitos desses investimentos começaram há tempos, né? Eu realmente não consigo vê-los [os chineses] pisando no freio, não acho que empresa chinesa que esteja construindo uma linha de transmissão no Brasil agora pare a obra porque o Bolsonaro falou alguma coisa ruim sobre a China. O que vale no final das contas para o mercado, na China e no resto do mundo, é o lucro”, prevê Cariello, acrescentando que dados de 2021, embora não consolidados, mostram que empresas chinesas continuam levando leilões para administração de usinas e linhas de transmissão.

Mais maduro e confortável com a legislação brasileira, o investidor chinês já se propõe a empreender do zero, construindo fábricas e montando novas operações no país. De acordo com o CEBC, fusões e aquisições (chamadas de “brownfields”) ainda representam 70% de todos os aportes no Brasil desde 2007, mas há mudanças significativas quando se analisam os dados referentes aos projetos em andamento: 48% deles são “greenfield”, ou seja, totalmente novos. Só essa fatia responde pela geração de 34,5 mil empregos diretos, enquanto os 40% em “brownfields” mantiveram os postos de outros 140,1 mil. Os outros 12% correspondem a joint ventures.

Com a expansão da fronteira tecnológica na China, Cariello acredita que há agora uma nova oportunidade se formando para os chineses no Brasil: a tecnologia de ponta. Com isso, deve se tornar mais comum ver as marcas de lá em áreas como a telefonia, internet das coisas, veículos elétricos e autônomos e inteligência artificial.

“A Huawei, que é líder na tecnologia 5G no mundo, já está em território nacional há bastante tempo e deve ganhar mercado, mesmo com as dificuldades políticas envolvidas no leilão. Para várias outras áreas, o Brasil será um mercado interessante. Há um elemento cultural envolvido pelo fato do brasileiro gostar de redes sociais, de games, troca bastante de celular e o mercado de aplicativos aqui é grande. Então é o setor a se acompanhar daqui para frente.”

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