China, Terra do Meio https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br Reportagens, análises geopolíticas e notícias de um dos mais importantes países do mundo: a China Fri, 19 Nov 2021 15:36:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Governo Biden não tem estratégia para conter a China’, diz famoso ex-embaixador de Singapura https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/07/29/governo-biden-nao-tem-estrategia-para-conter-a-china-diz-famoso-ex-embaixador-de-singapura/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/07/29/governo-biden-nao-tem-estrategia-para-conter-a-china-diz-famoso-ex-embaixador-de-singapura/#respond Thu, 29 Jul 2021 13:30:54 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/KishoreMahbubani_Arquivo-pessoal-300x215.jpg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=224 De perfil sereno e voz comedida próprios de quem construiu a vida na diplomacia, Kishore Mahbubani é o tipo de intelectual que costuma ser consenso mesmo em lados antagônicos. Ex-embaixador de Singapura, com mais de 30 anos na chancelaria do país (incluindo uma década na ONU) e outros 15 na academia, construiu fama por ser um dos mais notáveis analistas da conjuntura geopolítica asiática.

É valendo-se da longa experiência a serviço das relações internacionais que o singapurense se aventura a tentar destrinchar um dos temas mais espinhosos na diplomacia atual: o futuro da relação sino-americana e como ela deve impactar o mundo nas próximas décadas. Em “A China Venceu?” (Intrínseca, 368 páginas), lançado no Brasil nesta semana, Mahbubani destrincha, ponto a ponto, os principais entraves à cooperação entre chineses e americanos.

Como quem escreve um telegrama a um Ministério das Relações Exteriores e com as credenciais de quem acompanha o desenrolar dos eventos sem ser, necessariamente, integrante de nenhum dos lados, o professor escreveu o que ele próprio define como “um presente para os Estados Unidos” e um lembrete a Washington de que “o mundo mudou”.

Em entrevista à Folha, Mahbubani expande os temas do livro, faz previsões sobre como devem se desenrolar os principais problemas entre a China e o Ocidente e um alerta ao Brasil: na briga entre as duas potências, ele diz que Brasília deveria anunciar neutralidade de antemão e se eximir de tomar lado se quiser preservar seus próprios interesses nacionais.

Folha: Um documento produzido pelo Atlantic Council [tradicional think tank americano] inspirado na estratégia americana para a Guerra Fria sugere que, se os EUA quiserem conter a China, devem tentar atrair a Rússia para o lado americano, o que seria muito difícil em termos de opinião pública. Como os EUA devem equacionar essas divergências internas com seus objetivos geopolíticos em relação a Pequim?

Kishore Mahbubani: Os americanos não conseguem entender que o mundo mudou fundamentalmente. Não é só sobre a China, é o fim da era de dominação ocidental da história mundial. E quando [Joe] Biden quer enfrentar a China, o que faz? Ele ressuscita o G7, um clube do passado que dificilmente vai saber lidar com um desafio futuro. Os EUA não conseguem nem mesmo conceber a possibilidade de que qualquer potência possa se tornar mais forte do que eles. Foram o número 1 por 130 anos e provavelmente a sociedade mais bem-sucedida que já vimos na história da humanidade, mas a história também nos ensina que você não pode ser o número 1 para sempre, certo? Os EUA têm um quarto da população da China e apenas 250 anos, enquanto a China tem 5.000. Certamente é possível que a China se torne maior que os EUA.

F: O senhor mencionou em seu livro que, como a dominação dos EUA na Europa, é uma anomalia na história.

KM: É uma anomalia, mas, novamente, os americanos não podem aceitar isso. E para eles, o importante não é só se aliar à Rússia, é a necessidade de mudança total de mentalidade. O maior medo da Rússia não vai ser a Europa. Quer dizer, os europeus são tão pacíficos que não vejo a Europa caminhando para uma guerra, mas a China é um desafio real para eles. Eles têm a maior fronteira com a China. Os EUA poderiam tentar serem habilidosos e possivelmente tentar atrair a Rússia, mas, infelizmente, os americanos passaram pelo menos 30 anos humilhando a Rússia. Então a razão pela qual os EUA estão tendo tantos problemas para lidar com este novo desafio na China é porque não entenderam que cometeram erros fundamentais. E na verdade, nesse sentido, meu livro é um presente para os EUA, ao tentar dizer a eles “ei, o mundo mudou e você deve mudar também”.

F: Pelo jeito que o senhor fala, parece que essa oportunidade com a Rússia já se perdeu. Mesmo que os EUA queiram se envolver com a Rússia, não será fácil para Vladimir Putin virar a opinião pública e tentar cooperar com os EUA contra a China….

KM: Acho que pode ser difícil para Vladimir Putin, porque o Ocidente o demonizou muito. Sabe, depois de demonizar tanto alguém, é muito difícil se comprometer. A razão pela qual eu coloquei a Crimeia para ilustrar os erros estratégicos dos EUA no livro é porque os americanos ameaçaram expandir a Otan para a Ucrânia. A Ucrânia é tão importante em termos de consciência russa, de compreensão russa, que quando os EUA tentaram humilhar a Rússia na Ucrânia, eu não entendi nada. E de muitas maneiras a Ucrânia poderia ter sido salva se funcionasse como uma espécie de Estado-tampão, ao invés de membro da Otan, como tentaram fazer.

F: Falando em G7, uma das principais viagens que Biden fez nos primeiros meses na Presidência foi participar da cúpula do grupo, quando anunciaram a intenção em criar um fundo de crédito para infraestrutura nos países em desenvolvimento, e assim contrapor a Iniciativa de Cinturão e Rota [informalmente conhecida como “nova rota da seda chinesa”]. Até que ponto isso será eficaz para lidar com os países africanos e asiáticos?

KM: Bem, acho que se o presidente Biden deseja fornecer uma fonte alternativa de financiamento para o desenvolvimento de infraestrutura no Terceiro Mundo, é uma ideia muito boa. Se eu sou um pequeno país na África e a China diz “eu posso construir uma ponte para você” e os EUA também se oferecem, então poderei escolher o que for melhor. Mas a China já gastou US$ 1 trilhão na iniciativa de Cinturão e Rota, enquanto os EUA estão tendo todas as dificuldades orçamentárias para construir sua própria infraestrutura.

F: Sim, o pacote de infraestrutura de Joe Biden está há algum tempo parado no Senado…

KM: Exatamente. Sabe, quando fui pela primeira vez aos EUA em 1974, aquele era o Primeiro Mundo. Pequim era o Terceiro Mundo. Hoje, se você vai para Pequim, o aeroporto de Pequim e o aeroporto de Xangai são de Primeiro Mundo, enquanto o aeroporto John F. Kennedy [Nova Iorque] e o Washington Dulles [na capital americana] são de Terceiro Mundo. Se você quiser pegar um trem do Terceiro Mundo, pegue o trem de Boston para Nova Iorque, bem diferente do trem de Pequim para Xangai. Se os EUA estão falando sério sobre querer ajudar a melhorar a infraestrutura de outros países, eles deveriam primeiro melhorar sua própria infraestrutura. Uma das estatísticas mais surpreendentes que alguém me deu foi que, na China, você pode consertar uma ponte em 43 horas, e nos EUA, leva cinco anos. Acho que há um certo grau de irrealidade no que os EUA estão fazendo. É claro que podem contrapor o que os chineses vêm fazendo na África, mas precisam estar à altura.

F: Os chineses são bem conhecidos por ignorar disputas internas, usualmente não mexem com você se você não mexer com eles. Já os EUA geralmente vinculam esse tipo de acordo econômico a uma série de compromissos. Quão eficaz será seduzir esses países, muitos deles em desacordo com o modelo americano de democracia e padrões de direitos humanos, se o dinheiro vier acompanhado de vigilância?

KM: Para ser justo com os EUA, embora digam que a disputa com a China é uma competição de democracias contra autocracias, eles não hesitam em fazer parcerias com autocracias. Estive na mesma sala com o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, há apenas duas horas e ele estava dizendo que os EUA não hesitarão em apoiar o Vietnã contra a China. O Vietnã é uma autocracia. Todos os países colocarão seus interesses nacionais em primeiro lugar, e não os interesses de outros países.

F: Sobre a América Latina, há algo que certamente preocupa os governantes da região. Se chegarmos a uma situação de ter de decidir entre a China e os EUA, o Brasil estará em um posição muito difícil, porque geográfica e culturalmente, estamos mais próximos dos EUA, mas, economicamente, estamos nos tornando cada vez mais dependentes da China. O que vai acontecer com esses tipos de Estados que orbitam em torno de ambos os países?

KM: Essa não é uma pergunta sendo feita apenas pelo Brasil, mas por 193 países no mundo. Para eles, aconselho a lerem um artigo do premiê de Singapura [Lee Hsien Loong] para a [revista] Foreign Affairs quando ele diz, muito claramente, que Singapura é amiga dos Estados Unidos e da China. Não queremos escolher e isso é bom. Novamente, quando ouvi o secretário de Defesa, Lloyd Austin, ele mencionou que entende perfeitamente essa posição.

Nós queremos ser amigos de ambos. Acho que essa sua pergunta é importante, porque é muito importante para países como o Brasil não esperar até que você seja obrigado a escolher. Vocês deveriam proclamar com antecedência que esperam manter laços de amizade com os dois países. Seria injusto os EUA pedirem ao Brasil uma escolha. Mas o Brasil junto com outros países da América Latina, África e Ásia, deveriam se reunir e deixar bem claro que se quiserem brigar, que vão em frente, mas não nos peçam para nos juntarmos a vocês.

F: Você diz no seu livro que não havia clareza entre os funcionários do governo [Donald] Trump quanto à estratégia por trás das tarifas na guerra comercial —se era uma tentativa de desconectar as economias chinesa e americana ou uma forma de obrigar Pequim a recuar em práticas que consideravam injustas. Biden foi eleito, mas ainda não aboliu essas tarifas. Se Trump não tinha um objetivo claro, Biden tem?

KM: Durante toda a campanha, Biden costumava dizer consistentemente que a guerra comercial de Trump contra a China não prejudicou a China. Isso é verdade. Mas nos EUA, há uma histeria anti-China muito forte que se apoderou dos país. E assim, embora os EUA sejam um filho da civilização ocidental, um filho do Iluminismo ocidental e, portanto, deveriam tomar decisões com base na razão, na lógica e na ciência. Mesmo assim, não conseguem fazer a coisa razoável e lógica que é retirar essas tarifas. De certa forma, prova o ponto-chave em meu livro, que os EUA estão agora tão comprometidos com essa luta geopolítica contra a China que, na verdade, estão prejudicando seus próprios interesses. E nesse sentido eu diria que, assim como Trump não tinha nenhuma estratégia de longo prazo, até o momento, o governo Biden também não tem.

F: A China acaba de encerrar as comemorações dos 100 anos do PC Chinês e a festa foi uma oportunidade para Xi Jinping alardear as conquistas da sigla ao longo da história. Mas também foi um lembrete ao Ocidente dos principais pontos de tensão nas relações: a situação de Hong Kong em 2019, a militarização do mar do Sul da China, Taiwan e a questão dos uigures em Xinjiang… Esses elementos se tornaram inevitáveis e continuarão a impedir o diálogo entre o Ocidente e a China nos próximos anos?

KM: Nenhuma dessas questões impedirá o crescimento da China. E Hong Kong, como você sabe, faz parte da China. No caso do mar do Sul da China, você ouvirá muito barulho, mas não haverá batalhas militares. Acredito que os principais envolvidos conseguirão alcançar um compromisso pacífico a menos, é claro, que haja uma escaramuça entre uma embarcação naval americana e uma embarcação naval chinesa. Mas para os principais afetados, como a Malásia, Brunei, Filipinas, Vietnã, eles têm reivindicações conflitantes com a China, mas devem chegar a um acordo.

F: Taiwan, porém, continua sendo um problema.

KM: É claro, mas Taiwan pode permanecer pacífica se os EUA estabelecerem um entendimento com a China em cumprir o que prometeu nos anos 1970: manter relações oficiais com Pequim e relações não oficiais com Taiwan. Portanto, se esse for o entendimento, não haverá mudança.

F: Mas Xi Jinping tem repetido sucessivas vezes que não quer empurrar esta questão para a próxima geração. Isso não pode ser considerado um sinal de alerta da liderança chinesa?

KM: Enquanto nenhum esforço for feito para mudar o status quo, a paz pode permanecer no estreito de Taiwan. Se alguém tentar tornar Taiwan independente, aí sim a China declarará guerra e é por isso que hoje, quando ouvi o secretário de Defesa, fiquei feliz que ele tenha repetido duas ou três vezes que os EUA estavam comprometidos com a política da China única.

F: O termo “política de China única” é bastante ambíguo porque você não está pressupondo qual China é a única China.

KM: Uma vez que os EUA estabeleceram relações com Pequim, eles reconhecem o governo de Pequim como o governo legítimo da China. Mesmo os funcionários do Departamento de Estado precisam renunciar antes de serem destacados para Taiwan. Então, eu acho que, contanto que eles não mudem a fórmula atual, estaremos bem. Portanto, devemos encorajar os EUA e a China apenas a manter o status quo em Taiwan e não pressionar pela independência, porque se isso acontecer, certamente haverá problemas para os taiwaneses.

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Pedido de desculpas de ator americano alimenta debate sobre Taiwan e censura https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/pedido-de-desculpas-de-ator-americano-alimenta-debate-sobre-taiwan-e-censura/ https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/pedido-de-desculpas-de-ator-americano-alimenta-debate-sobre-taiwan-e-censura/#respond Wed, 09 Jun 2021 19:58:31 +0000 https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/33b9ad202f9c87a7726007a63979ccd7140bbb789831ff9cc3babc479b8ffeae_6077cf65ce899-300x215.jpeg https://chinaterradomeio.blogfolha.uol.com.br/?p=163 Famoso lutador de luta livre e estrela de “Velozes e Furiosos”, o ator americano John Cena achou que seria uma boa ideia divulgar o nono filme da franquia em Taiwan falando em mandarim. Entrevistado por uma rede de televisão local, Cena se meteu em uma enrascada com ramificação política: anunciou alegremente que a ilha –considerada uma província rebelde pelo governo em Pequim– seria o “primeiro país” a assistir à produção.

A reação online foi imediata, levando Cena a se desculpar em mandarim para seus mais de 600 mil seguidores no Weibo (espécie de Twitter chinês) e motivando uma grande discussão acadêmica sobre a assertividade chinesa e a autocensura nos países ocidentais.

Localizado a 180 quilômetros da costa chinesa, o arquipélago de Taiwan é povoado por chineses da etnia han desde o século 13 e já foi dominado por holandeses, espanhóis e japoneses. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a rendição de Tóquio, o território retornou brevemente ao controle da China continental em 1945, algo que durou pouco: com o fim da guerra civil chinesa quatro anos depois, o arquipélago se tornou o refúgio dos nacionalistas do Partido Kuomintang que tentavam escapar do Partido Comunista Chinês, que conquistou o controle do território continental.

Governado inicialmente por uma ditadura que reclamava domínio sobre todo o território chinês, o arquipélago perdeu relevância ao ser substituído pela China comunista no Conselho de Segurança da ONU em 1971, manobra do ex-presidente americano Richard Nixon para se aproximar de Mao Tsé-tung.

Sem poder político internacional, a província adotou o regime democrático no início dos anos 1990 e conta agora com uma considerável parcela da população que deseja a independência. Ao chamar Taiwan de país, Cena indiretamente reconheceu a soberania do governo em Taipei sobre o território, pisando em um calo histórico da China comunista que tenta a reunificação desde que foi fundada.

Para a pesquisadora associada do Instituto Asiático da Universidade de Melbourne Melissa Conley Tyler, a reação online é parte de uma extensa estratégia de Pequim para dissuadir Taiwan de declarar independência e pressionar o governo a negociar o retorno do território.

Acadêmica visitante no Ministério das Relações Exteriores taiwanês, Conley Tyler afirma acreditar que as tensões tornaram-se mais evidentes recentemente com a ascensão do Partido Democrata Progressista taiwanês ao Executivo, considerado mais independente.

“A China tem sido paciente e vem usando meios políticos para promover a reunificação, tendo como limite a data de 2049, quando se completam os cem anos da fundação da República Popular comunista. O líder chinês, Xi Jinping, porém, tem tocado nessa questão com mais frequência, defendendo que o problema não pode ser passado de geração para geração. É possível que ele queira ser o líder a receber o crédito pelo retorno de Taiwan”, explica Conley Tyler.

Citando pesquisas de opiniões recentes realizadas no arquipélago, a pesquisadora afirma que Taiwan acabou desenvolvendo “sua própria identidade como um lugar distinto” da China continental e que Pequim vai precisar vencer uma barreira popular caso queira discutir a reunificação em termos pacíficos: “A maioria prefere a independência, com dois terços apoiando-a se Taiwan puder manter relações pacíficas com a China e quase metade defendo a separação, mesmo que isso levasse a China ao ataque”, detalha.

O antagonismo do ex-presidente americano Donald Trump à China continental também aumentou as tensões na região. Quando foi eleito em 2016, Trump se tornou o primeiro presidente a aceitar uma ligação da Presidência taiwanesa parabenizando-o pela vitória. O telefonema acendeu a luz amarela entre líderes comunistas, que passaram a duvidar do compromisso americano à “política de China única”, um princípio ambíguo em que os Estados Unidos reconhecem a existência de uma só China, evitando debates separatistas, mas sem se comprometer sobre qual das duas Chinas seria a “verdadeira”.

“Com Trump, os Estados Unidos se tornaram mais ativos em seu apoio a Taiwan em termos de venda de armas, melhorando o contato com as autoridades. Sob Biden, tem havido um esforço para atrair parceiros e aliados para mostrar apoio [ao arquipélago]”, diz Conley Tyler, mencionando discussões bilaterais do presidente democrata com o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, e o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, nas quais o assunto foi mencionado como motivo de preocupação regional.

Autocensura em foco

O pedido de desculpas do ator americano parece ter dado certo: o novo filme da franquia “Velozes e Furiosos” não desapareceu da programação na China continental. O vídeo em que Cena assume (em mandarim) ter cometido um “erro” e reafirma o “amor e o respeito à China e ao povo chinês” fez sucesso nas redes sociais e parece ter acalmado os ânimos de espectadores e oficiais da censura em Pequim.

Contudo, do outro lado do mundo, o vídeo recebeu uma enxurrada de críticas fora da China. Na Austrália, um canal de TV classificou o pedido de desculpas como “rastejante e patético”, enquanto o portal americano The Hill se referiu à iniciativa como uma “reverência nojenta à China”. No Twitter, milhares de internautas comentaram sobre o aumento da autocensura entre pessoas e empresas ocidentais para agradar Pequim e proteger negócios na China.

Para o diretor de pesquisa da rede Observa China e doutorando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Menechelli, a questão é cada vez mais presente.

O professor, que pesquisa o soft power chinês no cinema, diz que o considerável aumento nos filmes blockbusters tornou Hollywood cada vez mais dependente de bilheterias significativas. Devido à pandemia, o país ultrapassou os EUA em 2020 e se tornou o maior mercado cinematográfico mais lucrativo do mundo, liderando também o ranking dos países com o maior número de salas de exibição. Atualmente são 77.769, 2.000 das quais construídas apenas entre janeiro e fevereiro deste ano (a título de comparação, os Estados Unidos registravam 44.111 salas até o fim de 2020).

“O modelo força os estúdios a correrem atrás do lucro a todo custo, cedendo à ingerência dos censores chineses. Algumas produções até alteram o roteiro, criando uma versão específica para os chineses”, comenta Menechelli, à exemplo de “Homem de Ferro 3”, em que o herói Tony Stark é tratado por acupunturistas na cópia distribuída na China.

O pesquisador explica que essa estratégia não é nova —afinal, foi da tentativa de aproximação do ex-presidente Franklin Roosevelt com o Brasil que surgiu o carismático papagaio da Disney Zé Carioca—, e gera uma dinâmica geopolítica interessante: ao contrário da Guerra Fria, quando personagens soviéticos eram frequentemente retratados como vilões, a dependência americana da bilheteria chinesa fez desaparecer das telas os antagonistas da China.

Mais: em “Perdido em Marte” são os chineses a construírem a nave para buscar o astronauta americano. Na nova versão de “Amanhecer Violento”, a China invadiria os Estados Unidos, e o estúdio alterou digitalmente o filme para mudar para a Coreia do Norte.

“No ano passado, o Congresso americano tentou passar uma lei que proibia o acesso de estúdios a fundos governamentais caso façam concessões à China. Todo mundo riu porque o financiamento estatal americano ao cinema é insignificante se comparado à receita dos filmes em salas chinesas. Então é provável que esse debate causado pelo vídeo do John Cena se torne cada vez mais frequente”, prevê Menechelli.

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